quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Gestação: Construindo uma Relação de Amor

Juliane Callegaro Borsa
A gestação é um evento complexo, onde ocorrem diversas mudanças na vida da mulher. Trata-se de uma experiência repleta de sentimentos intensos, variados e ambivalentes que podem dar vazão a conteúdos inconscientes da mãe. A relação da mãe com seu filho já começa na gestação e será a base da relação mãe-bebê, a qual se estabelecerá depois do nascimento e ao longo do desenvolvimento da criança (BRAZELTON & CRAMER, 2002; CARON, 2000; KLAUS & KENNEL, 1993; RAPHAEL-LEFF, 1997; SOIFER, 1992).
De acordo com estudo realizado por Piccinini, Gomes, Moreira & Lopes (2004), a relação mãe-bebê começa, de fato, no período pré-natal, indo ao encontro dos achados teóricos sobre este tema. Os resultados do presente estudo apóiam a idéia de que no período pré-natal os pais já constroem a noção de individualidade do bebê, reconhecendo alguns de seus comportamentos e características temperamentais. Ademais, desde muito cedo os pais estabelecem um modo costumeiro de interação com o feto, através de informações, tais como, sexo, maneira de movimentar-se, e determinam a estruturação de um padrão de interação precoce, que tende a continuar após o parto. Este estudo apontou a existência de uma relação materno-fetal bastante intensa, a qual é embasada especialmente nos sentimentos ou expectativas da gestante sobre o bebê. Os resultados sugerem que conhecer o bebê antes do nascimento, estar com ele, pensar sobre ele, imaginar suas características, traz implicações para a construção da representação do bebê, da maternidade e para a posterior relação mãe-bebê.
O período da gestação é caracterizado por inúmeras mudanças e, ainda, por sentimentos ambivalentes que estão intimamente relacionados à história e às experiências vividas pela gestante ao longo da sua vida. Para Brazelton & Cramer (2002), a gravidez de uma mulher reflete toda a sua vida anterior à concepção, suas experiências com os próprios pais, sua vivência do triângulo edipiano, as forças que a levaram a adaptar-se com maior ou menor sucesso a essa situação e, finalmente, separar-se de seus pais. Tudo isso, para os autores, influi em sua adaptação ao novo papel. A gravidez dá às mães uma nova oportunidade de elaborarem velhos conflitos de separação, promovendo uma nova fase em seu processo de se desprender (individuação) das relações simbióticas originais. Assim, a gravidez não é só um período de ensaios e expectativas, mas constitui também uma fase em que velhos relacionamentos podem ser mentalmente retrabalhados, podendo ser concebida como um período de constante confronto entre a satisfação de desejos e o reconhecimento da realidade.
A maioria das mulheres experimenta uma combinação de sentimentos de desamparo, ansiedade e agradável expectativa; a energia que é retirada de suas vidas diárias é utilizada para selecionar esses sentimentos. O período de gravidez, segundo o autor, é uma época para que se aprenda tanto sobre si mesma e sobre o novo papel, quanto seja possível. Considerando este aspecto, Maldonado (2002) considera que a gravidez implica a perspectiva de grandes mudanças, o que evidentemente envolve perdas e ganhos, e isso, por si só, justificaria a existência de sentimentos opostos entre si. Por fim, Caron (2000), aponta o período da gestação como um terremoto hormonal, físico e psicológico, na mulher, que encerra os maiores desafios, segredos e incertezas do ser humano, ou seja, a gestação é cercada de mistérios insolúveis e estranhas reações que acompanham todo desenvolver do processo até o parto (CARON, 2000).
Como foi possível verificar, o período da gestação implica uma série de mudanças na vida da mulher. Assim, o parto e os primeiros momentos com o bebê encerram este período que, por sua vez, é repleto de expectativas e fantasias. Para Maldonado (2002), a gravidez é considerada um período de grande vulnerabilidade para a mulher, no qual os sentimentos ambivalentes são características marcantes. Esses, contudo, assumem nova configuração após o parto. A realidade do bebê imaginário, na barriga da mãe não é a mesma realidade do bebê recém-nascido. Muitas mães tendem a negar antecipadamente a realidade do seu bebê nas primeiras semanas de vida, sentindo-se assustadas e confusas diante dos primeiros cuidados maternos. No momento em que a criança adquire vida própria, diferente da vida intra-uterina, ela incorpora-se, efetivamente, como um novo integrante na família, o que, sem dúvida, transforma o equilíbrio familiar, que já havia passado por algumas transformações durante a gravidez (SOIFER, 1992).
BRAZELTON, Berry T.; CRAMER, Bertrand G. As primeiras relações. 2ºed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

CARON, Nara Amália (org). A Relação Pais-Bebê: da observação à clínica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.

KLAUS M. & KENNEL, J. Pais/bebê – a formação do apego. Porto Alegre: ArtMed, 1993.

KLAUS, M. H., KENNEL, J. H. & KLAUS, P. H. Vínculo – Construindo as bases para um apego seguro e para a independência. Porto Alegre: ArtMed, 2000.

MALDONADO, Maria T. Psicologia da Gravidez – parto e puerpério. 16ºed. São Paulo: Saraiva, 2002.

PICCININI, C. A.; GRILL, A. G.; MOREIRA, L. E.; LOPES, R. S. Expectativas e sentimentos da gestante em relação ao seu bebê. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 20, n. 3, 2004.

RAPHAEL-LEFF, J. Gravidez: A história interior. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

SOIFER, Raquel. Psicologia da Gravidez, parto e puerpério. 6º ed. Porto Alegre: ArtMed, 1992.

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