quarta-feira, 29 de agosto de 2007

O papel da escola no processo de socialização infantil

Juliane Callegaro Borsa

A socialização é um processo interativo, necessário pra o desenvolvimento, através do qual a criança satisfaz suas necessidades e assimila a cultura. Este processo inicia-se com o nascimento e, embora sujeito a mudanças, permanece ao longo de todo ciclo vital. No decorrer das últimas décadas, vem se observando uma mudança significativa no processo de socialização infantil, levando-se em conta fatores como o avanço da tecnologia nos meios de comunicação, o crescimento acentuado de informações disponíveis, as novas configurações familiares, etc. Dentro deste contexto, a escola exerce um papel importante na consolidação do processo de socialização. A escola será determinante para o desenvolvimento infantil e, portanto, para o curso posterior de sua vida. É na escola que se constrói parte da identidade de ser e pertencer ao mundo e se adquirem os modelos de aprendizagem através da aquisição dos princípios éticos e morais que permeeiam a sociedade. Na escola depositam-se as expectativas, bem como as dúvidas, inseguranças e perspectivas em relação ao futuro e às suas próprias potencialidades.
A criança chega à escola levando consigo aspectos constitucionais e vivências familiares, porém o ambiente escolar será uma peça fundamental em seu desenvolvimento. A escola é, junto com a família, a instituição social que maiores repercussões tem para a criança. A escola não só intervém na transmissão do saber científico organizado culturalmente como influi em todos os aspectos relativos aos processos de socialização e individuação da criança, como o desenvolvimento das relações afetivas, a habilidade de participar em situações sociais, a aquisição de destrezas relacionadas com a competência comunicativa, o desenvolvimento da identidade sexual, das condutas pró-sociais e da própria identidade pessoal.
As modificações que, durante os anos escolares, produzem-se no conhecimento social das crianças, afetam o modo como compreendem as características dos outros e de si mesmas, bem como a sua concepção das relações que as vinculam e sua representação das instituições e sistemas sociais em que estão mergulhadas. Neste sentido, a entrada e o percurso pelo âmbito escolar vão constituir para a criança um acúmulo de experiências ricas e interessantes, pois a escola é um microcosmo da sociedade. No meio escolar, a criança entra em contato com indivíduos possuidores de diferentes graus de conhecimento, estabelecendo relações diversas, sendo, além disso, um âmbito que, em sim mesmo, constitui um sistema social, com normas e funcionamento os quais devem ser internalizados.
Diante destes apontamentos entende-se a importância de novas pesquisas e propostas que tenham como objetivo compreender o papel da escola no processo de socialização da criança, viabilizando novas formas de ‘ser e fazer escola’, considerando a educação no seu sentido mais amplo. Considera-se a ação de educar não só como o processo de ensino-aprendizagem, mas também, e não menos importante, o processo de constituir indivíduos críticos, socializados, com conhecimento pleno daquilo que é importante ser, enquanto indivíduos, e daquilo que o mundo espera de si, enquanto pessoas éticas, plenamente integradas no espaço em que estão inseridas.

Gestação: Construindo uma Relação de Amor

Juliane Callegaro Borsa
A gestação é um evento complexo, onde ocorrem diversas mudanças na vida da mulher. Trata-se de uma experiência repleta de sentimentos intensos, variados e ambivalentes que podem dar vazão a conteúdos inconscientes da mãe. A relação da mãe com seu filho já começa na gestação e será a base da relação mãe-bebê, a qual se estabelecerá depois do nascimento e ao longo do desenvolvimento da criança (BRAZELTON & CRAMER, 2002; CARON, 2000; KLAUS & KENNEL, 1993; RAPHAEL-LEFF, 1997; SOIFER, 1992).
De acordo com estudo realizado por Piccinini, Gomes, Moreira & Lopes (2004), a relação mãe-bebê começa, de fato, no período pré-natal, indo ao encontro dos achados teóricos sobre este tema. Os resultados do presente estudo apóiam a idéia de que no período pré-natal os pais já constroem a noção de individualidade do bebê, reconhecendo alguns de seus comportamentos e características temperamentais. Ademais, desde muito cedo os pais estabelecem um modo costumeiro de interação com o feto, através de informações, tais como, sexo, maneira de movimentar-se, e determinam a estruturação de um padrão de interação precoce, que tende a continuar após o parto. Este estudo apontou a existência de uma relação materno-fetal bastante intensa, a qual é embasada especialmente nos sentimentos ou expectativas da gestante sobre o bebê. Os resultados sugerem que conhecer o bebê antes do nascimento, estar com ele, pensar sobre ele, imaginar suas características, traz implicações para a construção da representação do bebê, da maternidade e para a posterior relação mãe-bebê.
O período da gestação é caracterizado por inúmeras mudanças e, ainda, por sentimentos ambivalentes que estão intimamente relacionados à história e às experiências vividas pela gestante ao longo da sua vida. Para Brazelton & Cramer (2002), a gravidez de uma mulher reflete toda a sua vida anterior à concepção, suas experiências com os próprios pais, sua vivência do triângulo edipiano, as forças que a levaram a adaptar-se com maior ou menor sucesso a essa situação e, finalmente, separar-se de seus pais. Tudo isso, para os autores, influi em sua adaptação ao novo papel. A gravidez dá às mães uma nova oportunidade de elaborarem velhos conflitos de separação, promovendo uma nova fase em seu processo de se desprender (individuação) das relações simbióticas originais. Assim, a gravidez não é só um período de ensaios e expectativas, mas constitui também uma fase em que velhos relacionamentos podem ser mentalmente retrabalhados, podendo ser concebida como um período de constante confronto entre a satisfação de desejos e o reconhecimento da realidade.
A maioria das mulheres experimenta uma combinação de sentimentos de desamparo, ansiedade e agradável expectativa; a energia que é retirada de suas vidas diárias é utilizada para selecionar esses sentimentos. O período de gravidez, segundo o autor, é uma época para que se aprenda tanto sobre si mesma e sobre o novo papel, quanto seja possível. Considerando este aspecto, Maldonado (2002) considera que a gravidez implica a perspectiva de grandes mudanças, o que evidentemente envolve perdas e ganhos, e isso, por si só, justificaria a existência de sentimentos opostos entre si. Por fim, Caron (2000), aponta o período da gestação como um terremoto hormonal, físico e psicológico, na mulher, que encerra os maiores desafios, segredos e incertezas do ser humano, ou seja, a gestação é cercada de mistérios insolúveis e estranhas reações que acompanham todo desenvolver do processo até o parto (CARON, 2000).
Como foi possível verificar, o período da gestação implica uma série de mudanças na vida da mulher. Assim, o parto e os primeiros momentos com o bebê encerram este período que, por sua vez, é repleto de expectativas e fantasias. Para Maldonado (2002), a gravidez é considerada um período de grande vulnerabilidade para a mulher, no qual os sentimentos ambivalentes são características marcantes. Esses, contudo, assumem nova configuração após o parto. A realidade do bebê imaginário, na barriga da mãe não é a mesma realidade do bebê recém-nascido. Muitas mães tendem a negar antecipadamente a realidade do seu bebê nas primeiras semanas de vida, sentindo-se assustadas e confusas diante dos primeiros cuidados maternos. No momento em que a criança adquire vida própria, diferente da vida intra-uterina, ela incorpora-se, efetivamente, como um novo integrante na família, o que, sem dúvida, transforma o equilíbrio familiar, que já havia passado por algumas transformações durante a gravidez (SOIFER, 1992).
BRAZELTON, Berry T.; CRAMER, Bertrand G. As primeiras relações. 2ºed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

CARON, Nara Amália (org). A Relação Pais-Bebê: da observação à clínica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.

KLAUS M. & KENNEL, J. Pais/bebê – a formação do apego. Porto Alegre: ArtMed, 1993.

KLAUS, M. H., KENNEL, J. H. & KLAUS, P. H. Vínculo – Construindo as bases para um apego seguro e para a independência. Porto Alegre: ArtMed, 2000.

MALDONADO, Maria T. Psicologia da Gravidez – parto e puerpério. 16ºed. São Paulo: Saraiva, 2002.

PICCININI, C. A.; GRILL, A. G.; MOREIRA, L. E.; LOPES, R. S. Expectativas e sentimentos da gestante em relação ao seu bebê. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 20, n. 3, 2004.

RAPHAEL-LEFF, J. Gravidez: A história interior. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

SOIFER, Raquel. Psicologia da Gravidez, parto e puerpério. 6º ed. Porto Alegre: ArtMed, 1992.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

A Família na Contemporaneidade

Juliane Callegaro Borsa
A família, assim como outros espaços constituintes do desenvolvimento humano, vem sendo compreendida enquanto alicerce no processo de constituição do indivíduo. É em torno da família que a vida, inicialmente, se estrutura, sendo o primeiro espaço de relações sociais o qual o indivíduo tem contato. A família é o lugar onde a história do indivíduo começa a ser escrita.
Apesar da importância que vem sendo atribuída à família, atualmente, as discussões se situam em torno das significativas mudanças que vêm ocorrendo nas configurações familiares contemporâneas. Estas mudanças propõem à sociedade um novo olhar sobre estes grupos, que pouco se assemelham àqueles descritos nas páginas da história e nos sermões tradicionais da igreja, onde qualquer família que fugisse ao modelo tradicional era considerada como ‘desviada’ ou ‘anormal’. Contudo, mesmo em meio a tantas mudanças, a família continua sendo base indispensável ao desenvolvimento psíquico.
A família, ao longo do tempo, vem vivendo um processo de mutação, ao encontro das mudanças sociais que implicam diretamente nestas e em todas as relações entre indivíduos. As famílias contemporâneas avançam para além dos formatos pré-concebidos, incluindo outras dinâmicas e configurações. Atualmente é possível observar diversos tipos de famílias, que fogem ao modelo tradicional constituído por pai, mãe e filhos biológicos. As famílias tantas vezes mostradas nas propagandas de margarina são cada vez mais raras. Hoje podemos encontrar, sem dificuldade, diversas configurações familiares: mães ou pais divorciados que criam seus filhos sozinhos, crianças cuidadas e educadas por avós; babás, professoras e vizinhos que assumem o papel de cuidadores; pais que trabalham fora e deixam seus filhos aos cuidados de creches e escolas; crianças que são criadas com duas mães ou com dois pais, crianças órfãs ou adotadas, etc.
Da mesma forma, um outro aspecto que vem sofrendo mudanças nas famílias contemporâneas é quanto ao papel dos homens e mulheres. Nos dias atuais, ambos saem às ruas na luta por um espaço no mercado de trabalho, modificando a ótica e a ética das relações entre homens e mulheres, e entre pais e filhos. A necessidade de ambos os pais estarem trabalhando para poder sustentar a família representa menos tempo de convívio com os filhos. As crianças permanecem em casa, sob cuidados de outras pessoas ou passando grande parte do tempo diante da televisão. Esse fenômeno implica, diretamente, na relação de pais e filhos, refletindo no comportamento e desenvolvimento infantil.
Em síntese, é possível notar que mudanças no contexto familiar não são raras em nossa sociedade atual, tornando-se relevante reconsiderar as bases sobre as quais se constroem as relações familiares e, sobretudo, o modo como estas relações são vistas pela sociedade, a fim de evitar um desamparo no que diz respeito à capacidade de olhar e assistir às reais necessidades das famílias dos novos tempos.